quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

E cantará canções de amores perdidos

Olhando para um ponto fixo no chão e girando, girando sobre ele sem parar. Quando criança a sensação seria tão incomoda como agora? O girar girar é girar eterno da roda das sensações. Parecia-lhe que as crianças não possuem memórias sensoriais tão desenvolvidas como os adultos e por isso mesmo permitiam-se adentrar sempre este mesmo jogo, sem pode se lembrar que o resultado final eram náuseas imediatas e uma dor de cabeça que permaneceria por algumas horas. Agora não usava mais brincar de rodar. Mas ainda deixava sua cabeça girar em um giro inscrito no universo de possibilidades inventadas a cada novo personagem que percorria uma parte de sua história.
A cada ano tentavam, em vão e rufião tom, convencer que não há porque manter a gira. Fecham-se os livros periodicamente. Feita a sua biblioteca caminhe com este pequeno armário ao longo de sua vida. Preferencialmente fechado. Se for abri-lo que seja somente para que entre um ar, mas prenda na rede qualquer letra que ouse tentar o suicídio. E não se esqueça: ataque com rajadas de inseticida letal qualquer ser movente que ouse tocar os pés de sua cristaleira de livros.
Pasmem agora, pasmem todos (ou fechem os olhos, os ouvidos e as papilas) para quem constrói estantes abertas. Cada caminhada novos livros pululam pelo caminho e são assim agraciados como novos espaços e novos descaminhos por uma biblioteca em espiral sem fim.
Observam atentos cada um carregando sua cristaleira nas costas. Vez por outra caminham em dois. Ela observa o conteúdo das cristaleiras dos pares. Enquanto um lê Baudelaire o outro a surpreende com Paulo Coelho. Eles se abraçam e sorriem. As cristaleiras choram pedaços de vidro escuro com essa união. Os pedaços de vidro ferem seus olhos. Mastiga-os produzindo uma música quase perturbadora, ainda que feliz.
Segurando no tronco grosso e intrincado de uma árvore ancestral gira gira e gira, espiralando por entre a sua biblioteca. Convida todos os passantes e caminharem com ela. A abrir um exemplar de Michael Ende ou de escrever algumas palavras na máquina de escrever da mesa de centro. Mas eles cospem vidro e amam moças que lêem Paulo Coelho.
Então gira gira e gira. Constrói amores de papel e vidro, pinta com seu corpo novas formas e se deixa levar por mais um dia, mais um personagem e mais uma canção composta de vidro, dentes e sangue.

2 comentários:

Rafael H. disse...

Muito interessante o jeito que usa as palavras, gostei mesmo do texto queria saber escrever assim.

Henrique R. disse...

Amei o título e o texto dando ponto alto ao "mas prenda na rede qualquer letra que ouse tentar o suicídio"
Achei de mais a colocação.