quinta-feira, 10 de setembro de 2009

...velhos hábitos

Era como um acordo velado: sempre se encontravam em segredo, pra evitar os olhos, e bocas, conhecidas há tanto que tudo viam, e não se contentavam somente com sua realidade: tinham que investigar a vida alheia.
Não era como um encontro de amantes. Era como um encontro de velhas almas que se conheciam a muito. Ela buscava sempre conselhos sobre tudo, sobre política, sobre a vida, sobre o amor. E mesmo tendo se tornado muito melhor que ele em todos os assuntos -principalmente política, tenho que dizer- adorava ouvir eus conselhos, como um acalento para a alma. Tantos quanto um coração ex-stalinista poderia tocar aquele outro, infinitamente trotskista.
E sempre acabava em sexo. Não que fosse o melhor sexo de suas vidas, nunca tinham de fato se dado bem na cama, seja pelo ritmo ultraromantico que ela imprimia as relações sexuais que con strastavam com a atual apatia, seja pelo furor sexual dele que ela jamais pode acompanhar- e que certamente no passado fez ele buscar outros corpos. De fato, isso pouco importa. Traição, convenções, nada disso.
Era um ritual, que precisava ser seguido, ao menos uma vez em cada ano.
Ele sempre a amaria, e abriria mão -ou não- de bom sexo para se casar novamente com ela. Depois dela, nunca amou de fato outra mulher, ainda que elas fossem melhores nas artes do prazer, nenhuma tinha aquele brilho no olhar e aquela genialidade quase inumana.
Ela jamais o esqueceu, mas desaprendeu a amar os homens, quando apaixonou-se perdidamente pela revolução. Ainda assim, estar em seus braços era um suspiro de humanidade praquele corpo, tão militante, tão triste, tão intocado.
Uma pena que nem ele, nem ninguém, poderia devolver-lhe, tão cedo, o prazer perdido.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Virá...

Ele tem que gostar muito de natal e ser ateu
Tem que falar palavras difíceis no bar e palavras doces na cama
Tem que ler quadrinhos e falar um idioma estranho
Gostar de chocolate e poemas, mesmo quando derretidos e mal escritos
pode usar óculos, mas não pode ver o mundo como todos vêem

ter um coração infinitamente apaixonado e uma mente coerentemente revolucionária
e o amor tem que estar em primeiro lugar: seja pela revolução, pela arte, pela ciência ou por mim.
e em segundo lugar? flores e carinho, marchas e noites em claro
amar o mundo dos sonhos e viver no mundo real
dormir muito, sempre que possível
dormir pouco, cotidianamente

é melhor que seja inteligente do que esperto
mas, se for os dois, que me dê o prazer de ser melhor que ele em meia dúzia de coisinhas
o suficiente para que não seja desinteressante
não além do necessário, para que eu não deixe de sê-lo.

tem que beijar quando acorda, antes de escovar os dentes
gostar de gatos e der olhos perdidos como dos cães, ou dos texugos de olhos castanhos
me cobrir de presentes, ainda que sejam bilhetes que não tem nada a dizer
e me dar flores, uma vez por ano
e jamais esquecer do meu aniversário

nunca me contrariar
nunca deixar que eu o contrarie
nunca tentar mandar na minha vida
me contar, em noites sem lua, sobre todos os seus sonhos

tem que ter algum brilho, algum mistério
saber chorar e me consolar a cada virada de lua
ser um eterno insatisfeito
eterno apaixonado
eternamente se perder em meus braços...