segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pelas lentes erradas o olho bom vê o mundo distorcido. (ou uma verdadeira história de como dois perdidos numa noite suja se apaixonam)

A luxúria nunca havia sido um problema para ela. Criada ao som de Nelson Rodrigues entoados pela madrugada escura de uma cama ao lado, ocupada por uma alma confusa, seu universo havia sido eregido em torno da busca pelo prazer. Seja dos prazeres exóticos e curiosos da infância onde tinha descuberto sua sexualidade mesmo sem perceber aos prazeres sexuais com outras pessoas que descobriu logo cedo em sua adolescência, mesmo antes de seu primeiro beijo.
Em um dia qualquer de fevereiro havia descoberto que o mundo poderia se mover em torno do seu corpo caso soubesse movê-lo da forma correta e desde então jamais puderá se livrar do fascínio que a carne exercia e do poder que tinha sobre a carne, lasciva, de todos.
Homens, mulheres, todos se curvavam em torno do seu magnetismo, mas era ela que de fato se curvava lhes oferecendo sexo oral como se oferece um copo d'água.

Ninguém lhe vencia em seu campo de batalha, era uma entidade do prazer. Não haviam adversários à sua altura, jamais houveram.
Ou era assim que pensava, mas a vida é cheia de surpresas e algumas são fascinantes e fazem nosso mundo girar mais rápido, como no dia em que se conheceram.

E de todos os amores que transitavam pela sua não linearidade um homem sempre esteve presente, mas nunca foi amado. Era nele que se satisfaziam os prazeres da carne e as risadas em noites esparsas pela história de suas vidas.

Numa noite qualquer naquele mesmo local soturno onde havia construído boa parte da história de sua vida, onde havia deixado muitos sonhos e orgasmos, aquela pista escura que refletia o espectro da sua alma. Tantos anos se passaram e se não fosse a memória que ele tem daquele dia esse quadro seria extremamente embaçado. Que ela não tivesse todas as lembranças era compreensível, que ele se lembre de quase todos os detalhes revela o fato que aquele dia marcaria a história de suas vidas para sempre.

Com seu ar de virgem assassina, nem virgem e nem assassina, ele se deixou conquistar pelo infinito que transbordava dos seus olhos e pelo desafio que estava lançado. A calcinha branca, os cheiros, sua mão forte lhe agarrando a nuca. Era só a primeira partida.

Nunca houve antes ninguém que pudesse desafiá-la em seu jogo. Nunca antes houve alguém que pudesse desafiá-lo em seu jogo.

Como não desejar eternamente um adversário à altura? Aquilo que ambos ansiaram durante toda a vida. Não havia volta, aquela madrugada de quinta mudaria suas vidas, muito mais do que eles poderiam mensurar, de forma mais profunda, mais intensa é mais perturbadora. Sem que eles notassem. Pouco a pouco.

A cada ano, a cada reencontro, a cada encontro virtual, a cada dirty talk na madrugada (ou mesmo de dia) continuaram a jogar. Tudo combinado, é quase nada, somente sexo e amizade.

Não há aqui um romance a ser contado. Há uma ode à carne. Uma história de desejo entre uma mulher dona de seus desejos, sempre molhada com sua presença e um homem que não podia evitar uma ereção a cada olhar, decote, aroma, e toque de seus alvos pés, sempre impecavelmente cuidados.
A força motriz da humanidade não é feita por corações e histórias melosas de amor e sofrimento. A história do homem é a história do desejo, história da busca pelo desejo e de estar junto com aquele que melhor pode satisfazer aos seus desejos.

E nem todo o desejo se trata puramente se sexo, pode ser o desejo de se ter alguém com quem conversar sobre qualquer coisa ou coisa nenhuma, sentados em qualquer bar, em qualquer lugar. Os assuntos sempre se sucederam com uma facilidade inebriante -tão inebriante quanto o alcool que regava largamente as conversas, as vezes por demais, nos levando à boas risadas. Eram tão semelhantes, em tantos sentidos que, se houvesse um deus jamais teria deixado que eles se conhecessem. O que pouco nos importa já que, nessa realidade, não há um deus comandando, somente a lei dos homens.

Eles faziam parte da vida um do outro e isso não era possível de ser negado, ainda que fosse mantido como um segredo de estado. Como aquelas coisas especiais que gostamos tanto que guardamos em caixinhas ao lado da cama para que ninguém toque, era tão íntimo, intenso e tão velado que sobreviveria à todas as intempéries de suas histórias. Amigos que se foram e que retornaram. Amores que se foram para sempre. Casamentos rompidos. Nada abalou essa relação, pelo contrário, cada ano só tornava-a mais forte e indelével.

Muito racionais e calculistas que sempre foram se tivesse se dado conta do que estava por acontecer certamente um dos dois teria fugido. Este é o poder das grandes revelações, elas nos pegam desprevenidos e nos queimam em brasa.

À quantas paixões perdidas já haviam brindado? Perde-se a conta. Não havia de ser diferente naquele dia, risadas, reflexões sobre a vida. Desaconselhos e flertes. Tudo isso envolto em garrafas e garrafas de líquido dourado. Um abraço forte, lágrimas derramadas.

O que você busca nessa vida?

Poderia eu ser esse que se enquadra nos seus sonhos? Sabe quantos sonhos sonhei com você ao meu lado, tendo essa conversa. Parece que nunca havia notado, mas você é a primeira de todas, a mais especial de todas. A única que soube jogar meu jogo.

Poderia ser eu essa que se enquadra nos seus sonhos? Minha resposta à pergunta reiterada em infinitas noites é aceito. Aceito ser só tua, abrir mão de todos os outros amores. Aceito que você seja o único homem que me foda, desde que me foda direito. E todos os dias.

Eu jamais diria isso sóbrio mas e u t e a... -shhh, não diga isso.

Entre beijos e lágrimas, promessas e amnésias tudo estava de cabeça para baixo.

No dia seguinte ela estava decidida: era ele.

No dia seguinte ele estava de ressaca: havia se esquecido de tudo.

A verdade tinha tomado corpo e o desejo sobrepujado a razão. Poucos dias depois ela lhe contou tudo. Ele temeu e recuou. No entanto não havia volta. A última batalha estava sendo lançada, era no campo perfeito, não lutavam um contra o outro. Ele lutava contra ele mesmo, ela lutava por ele. O que ele não podia ver, ainda, é que ambos lutavam pelas mesmas coisas.

Para a felicidade plena ela abrira mão de todos os homens pelo amor dele. Ele só precisaria abrir mão de uma mulher para ser feliz ao lado dela. Ambas as escolhas seriam catastróficas. E ambas, necessárias.

A sorte está lançada. A verdade é mais absoluta que a vida. Somente juntos poderiam ser plenamente felizes.

*Sem correções

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